terça-feira, novembro 08, 2005

O BAAL ZEBUB

O BAAL ZEBUB
Liége Jorgens1


Dirigido por Harry Hook em 1990, O Senhor das Moscas mostra o lado sombrio da mente humana, mergulhando o telespectador em uma metáfora sobre o desenvolvimento da vida em sociedade.
A aeronave de um grupo de garotos ingleses cai em uma ilha paradisíaca iniciando, assim, uma luta pela sobrevivência e pelo retorno a seus lares. Os garotos criam uma sociedade fundada em regras de liderança, comunicação, trabalho em equipe e consciência.
A princípio todos parecem estar receptivos à liderança de Ralph, um líder democrático, que prega a civilidade e a união. Todos devem cooperar nas tarefas que são, basicamente, manter a fogueira acesa – como forma de sinalizar para a equipe de resgate - e conseguir sua subsistência.
Não se pode negar que os agrupamentos de pessoas estão isentos de problemas, mesmo aqueles bem organizados e estruturados. É assim que, dentro da sociedade, surge uma facção que deprecia os outros membros e passa a desrespeitar as regras, deixando de cooperar na atividade primordial: a tentativa de resgate. A prioridade desses garotos passa a ser a caça.
Digladiando pelo poder, Jack divide a sociedade explicitamente: as crianças seguem Ralph e os caçadores devem segui-lo. Baseia-se na idéia de dividir para melhor dominar. Como diz Sun Tse2: “Perturbem o governo adversário, semeiem a dissensão entre os chefes, excitando o ciúme ou a desconfiança, provoquem indisciplina, forneçam causas de descontentamento. A divisão fatal é aquela pela qual tentamos, por meio de ruídos tendenciosos, lançar o descrédito ou a suspeita, até na corte do Soberano inimigo, sobre os generais que o servem”. É o que se observa quando Jack diz aos garotos que cumpre suas promessas, diferente de Ralph, ele conseguia a carne que eles tanto queriam.
Sun Tse ensina também como ganhar uma guerra abalando a autoconfiança do outro: “Sem chegar ainda à luta, tente ser vitorioso. (...) Como os antigos que, antes de entrar em combate, tentavam enfraquecer a confiança do inimigo humilhando-o, mortificando-o, submetendo suas forças a rudes provas. (...) Corrompam tudo o que nele houver de melhor, por meio de oferendas, de presentes, de promessas; alterando a confiança em seus melhores guerreiros, levando-os a ações vergonhosas e vis. E não esquecendo de divulgá-las.” Exatamente o que os caçadores fazem, roubando a faca e os óculos do braço-direito de Ralph. O grupo dos garotos civilizados se desestabiliza pela falta de instrumentos de prosseguir em suas tarefas.
A liderança de Jack é autocrática e utiliza o medo do desconhecido – o Monstro – para melhor dominar.
Sem regras e sem adultos por perto, os garotos sentem-se livres para fazer o que quiserem, passando de garotos normais a assassinos perversos. Os caçadores assassinam sem querer um membro do grupo dos garotos civilizados. É o momento em que parece que haverá uma tomada de consciência, mas não acontece. Encontram um bode expiatório para levar a culpa. É o que a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen3 chama de deslocamento da culpa. Por um fenômeno de transferência, os verdadeiros culpados projetam a culpa no bode-expiatório. Há uma necessidade de projetar a culpa para o exterior e de dizer: “A culpa é sua!” ou alguma outra frase do gênero.
E quanto ao nome que leva a presente resenha, deve-se a interpretação da autora sobre o nome do filme. Levando em conta a sociedade satânica formada pelos caçadores, pode ser uma referência à origem etimológica da palavra Belzebu, do babilônico Baal Zebub, ou em português, Senhor das Moscas.
Interpretações à parte, o filme leva o espectador a repensar as noções de certo e errado incorporadas pelo superego e a necessidade de uma conduta moral para a viver em sociedade respeitando os limites dos outros. Utilizando instrumentos trágicos, o autor retrata a impiedade e a selvageria humana, chocando o espectador que precisa de uma boa dose de sangue-frio para se manter até o final do filme.



1 Aluna do 4º Semestre Curso de Administração – UNICRUZ.
2 Sun Tse, A Arte da Guerra, Editora Record.
3 Marie-France Hirigoyen, Assédio Moral: A violência perversa no cotidiano, Bertrand Brasil.